terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Conheça um pouco da história do Carnaval e do Carnaval em Natal

De Roma à Redinha, o período momesco tem suas particularidades
Chegou a Terça-feira de Carnaval – o legítimo feriado de Carnaval, conforme os calendários, e chamado por muitos, em particular pelos mais antigos, de “Terça-Feira Gorda”. Em pleno período de festa e folia, tem gente até que pergunta se o Carnaval tem alguma história. Não só tem como vamos fazer agora uma viagem por esta história, não apenas do Carnaval em si mas também do Carnaval em Natal.
O Carnaval, acho que foi um dia…
Há muito, muito tempo atrás, vários povos costumavam celebrar o início da primavera. Para alguns, coincidia com o início do ano.
Na antiga Grécia haviam grandes festas chamadas dionisíacas, dedicadas ao deus Dioniso – o deus das festas, dos ciclos vitais e do vinho. Estas festas são consideradas um antepassado do Carnaval, apesar de começarem em um período diferente – as dionisíacas, segundo algumas fontes, eram realizadas no período que corresponde hoje aos primeiros dias de outubro (mas haviam variações que ocorriam em junho e em janeiro). É digno de nota que estes eventos gregos, com o passar do tempo, começaram a apresentar danças, poesias e peças dramáticas – algumas daquelas peças foram registradas, formando a base do teatro de Atenas. Sim, teatro! Mas esta é uma outra história…
Retornando ao Carnaval: os romanos, quando conquistaram a Grécia, absorveram esta cultura. Dionísio virou Baco – o deus não só das festas e do vinho, mas também da bebedeira e dos excessos- , e as festas, as bacanais (evento absorvido de outro povo dominado, os etruscos) que duravam três dias. Pelas descrições, primeiro havia todo um cerimonial, grave e severo; depois, vinha uma parte pública. Inicialmente apenas mulheres faziam parte do ritual, que era secreto; depois, os homens foram admitidos e… bem, virou “bagunça”, três vezes por mês (e considerando que o calendário usado pelos romanos à época tinha 10 meses…), com os participantes invadindo Roma aos gritos, dançando e fazendo excessos (excessos nos sentidos mais amplos do termo, altas doses de luxúria, desregramento, selvageria, negócio para “desmoralizar até o diabo”) – o que acabou fazendo de “bacanal” sinônimo de orgia. As bacanais ficaram tão barra-pesada, que foram proibidas por decreto no século I antes de Cristo. Mas não teve jeito: em algumas regiões as ditas-cujas resistiram.
Adeus à Carne
Os primeiros cristãos também comemoravam o Carnaval – a seu modo. Entre o domingo e a terça-feira, eles se empanzinavam de assados e frituras. Na quarta todos se cobriam de cinzas para lembrar que todos vêm do pó e ao pó voltarão (o que explica a origem do feriado religioso de Cinzas). A partir daí seguiam-se longos 40 dias sem ver carne na frente, até o domingo de Páscoa. Não é à toa que “Carnaval” deriva do latim “Carne Valle”, que uns traduzem como “Festa da Carne”, outros como “Adeus à Carne”,e outros ainda como “Adeus aos Prazeres”… por sinal, já havia uma variação nas datas, seguindo a variação da data da Páscoa, que por sua vez tinha como referência não o calendário como se conhece atualmente, mas o calendário lunar… mas esta também é uma outra história!
Só com o reconhecimento do Carnaval como festa popular pela Igreja Católica na Idade Média é que o evento se estabeleceu em definitivo: a Igreja admitiu as festividades por volta do ano 590, e o período foi “fixado por tabela” no século XI, com a implantação das atuais Quaresma e da Semana Santa.
Nesse meio tempo, máscaras e fantasias foram se tornando populares. Regiões como Nice, na França, e Veneza, na Itália, se tornaram referências por uma longa data, por conta de seus mascarados.
Mela-Mela no Centro
O Carnaval, no Brasil, chegou com os colonizadores portugueses, e tornou-se uma festa popular. E em Natal? Bem… diz Câmara Cascudo que as festas populares decorriam das festas religiosas.
Reprodução / Expresso Blau
Há tempos havia o entrudo – trazido pelos portugueses, e que entre outras brincadeiras tinha o mela-mela – nas ruas do atual Centro Histórico. Consta que um dos divertimentos mais comuns no período era jogar água de cheiro (nem sempre agradável…) ou qualquer outro líquido ou pó em quem desse o azar de passar justamente em um local onde o mela-mela estava sendo preparado (e se a vítima era conhecida por ser mais sisuda, aí levava baldes e mais baldes mesmo!)… como essa história muitas vezes acabava mal, em mais de uma ocasião o mela-mela foi proibido. Até ás primeiras décadas do século XX este mela-mela (que por sinal resiste até hoje) ainda era chamado de “entrudo”.
Bailes, tribos e escolas de samba
No comecinho do século XX, a rua da Palha – hoje Vigário Bartolomeu, no Centro Histórico de Natal – , foi o palco de muitos bailes. Depois, foi relegado ao esquecimento. Um esquecimento que durou até as décadas de 1980-1990, quando o bloco das Kengas passou a ocupar a esquina com a Ulisses Caldas, fazendo a esquina de passarela para o hoje concorrido Desfile das Kengas, sempre no Domingo de Carnaval, trazendo a folia de volta à Vigário Bartolomeu
No final da década de 1910, surgiram as tribos de índios; influência da Paraíba e de pernambuco. A tribo mais antiga de Natal é a dos Potiguares: ela desfila desde 1919 e foi elevada a patrimônio na década de 1960. As tribos tiveram duas fases de auge, uma na década de 1930 e a outra entre 1961 e 1964 (exatamente o período de Djalma Maranhão à frente da Prefeitura do Natal). Hoje, além dos Potiguares, podem se contar as tribos Comanches, Tapuios, Tabajaras, Tupinambás, Gaviões Amarelos, Tupi-Guaranis e Guaracis.
Na década de 1930, surgiram as primeiras escolas de samba de Natal, que desfilaram em locais como a Rio Branco e o Alecrim; hoje, elas desfilam na avenida Duque de Caxias, na Ribeira. Uma das primeiras escolas de samba, nos idos de ’30, foi a Batuque no Morro, surgida nas dunas – pelas descrições, a “Batuque”, apesar de se definir como escola, na prática ainda era um bloco; na década de 1950 apareceu a Asa Branca, que conquistou vários títulos. Em 1958, na porta da Igreja da Sagrada Família, nas Rocas, nasceu a escola Malandros do Samba, que existe até hoje. Nove anos depois, pelas contas houve um racha entre os fundadores da “Malandros”, e surgiu a Balanço do Morro.
“Malandros” e “Balanço”,como são hoje chamadas pelas multidões, são as principais potências locais em termos de escolas de samba. Atualmente, além delas, têm participado do Carnaval de Natal as escolas Unidos de Areia Branca, Águia Dourada, Acadêmicos do Morro, Grande Rio do Norte, Berimbau do Samba, Em Cima da Hora e Imperatriz Alecrinense, entre outras. Municípios vizinhos também participam, caso das escolas Ferro e Aço e Confiança no Samba, de Macaíba; e Império do Vale, de Ceará Mirim.
Botar uma escola para desfilar não é uma missão fácil. Que o diga, por exemplo, a Unidos de Areia Branca, escola do bairro das Rocas. O ano de 2010 foi ingrato para Areia Branca: a escola não teve condições de desfilar no grupo principal e foi rebaixada para o grupo de acesso; e faltando dois meses para o desfile de 2011 perdeu o presidente. Para muitos seria o fim – mas não para os que creem no samba. A “nação areiabranquense” se uniu, a viúva do presidente – depois de analisar a situação – assumiu o comando, a escola em peso “pôs a faca nos dentes” e 300 desfilantes apresentaram na Duque de Caxias um enredo sobre a Bahia, seus orixás e o sincretismo. A garra foi tanta para fazer um desfile para “subir” e honrar a memória do falecido presidente que a escola conseguiu seu intento, e voltou à categoria de elite. O programa Expresso Blau registrou Areia Branca na avenida no “desfile da volta” em 2011 – houve mesmo quem achasse, tomando por base apenas as imagens da bateria, que se tratava de uma apresentação na Marquês de Sapucaí, no Rio…
Corsos e matinês
Mas, voltando à história… Na década de 30 também haviam desfiles de blocos sobre carros aqui na Ribeira, elitizando a festa. Era o corso, que se mudou para a avenida Rio Branco (Centro) na década de 1940 e para a avenida Deodoro da Fonseca (limite do Centro com os bairros de Tirol e Petrópolis) na década de 1950 antes de sumir.
E ainda havia o baile infantil no Theatro Carlos Gomes – o atual Teatro Alberto Maranhão, nas décadas de 1940 e 1950. Haviam bailes ainda em locais como o Aero Clube (até hoje no mesmo local, na Hermes da Fonseca), o Natal Clube, o ABC (então na rua Potengi; a sede social ficava onde hoje se encontra o CCAB-Norte), e o Clube dos Radioamadores (na Rodrigues Alves; ainda não existia a sede social do América, que data da década de 1960).
Blocos e Dosinho
A década de 1950 marca o início de blocos como o Jardim da Infância e Ressaka – e que mais tarde viraram música… é o caso de “Ressaka”, gravado pela Banda Detroit em 1989 e pelo Encontro Magnético por volta de 2000:
Ressaka
(Babal – Délio Miranda)
Agora
é quando a alegria estoura
e aflora
a flor da pele repele
aquilo que não seja amor
Amor
deixa essa dor pra depois
esqueça aquilo que já foi
e vamos cair nós dois
no meio dessa multidão
somos um só coração
Então
vamos ligar nos desligados desta terra
desta guerra, desta era
o Ressaka nos espera
vamos pular, vamos viver
esqueça tudo, esqueça o mundo
e a partir desse segundo
só existe eu e você
Falando em músicas, a década de 1950 marca ainda o surgimento do maior compositor de frevos vivo sem ser pernambucano: o potiguar Claudomiro Batista, o Dosinho. É dele os hinos do Alecrim Futebol Clube e do ABC FC (há notícia que ele seria também o responsável por uma versão anterior à atual do hino do América FC) além de frevos como “Doido também apanha” (uma das gravações mais recentes é de Valéria Oliveira) e “Vão me levando” (que já teve versão, ao que consta, até do Quinteto Violado!). Era o contraponto regional às marchas de Carnaval do Rio, na era de ouro do rádio. Eis estes dois dos muitos “clássicos” de Dosinho:
Doido também apanha
(Dosinho)
É bom ficar direito
se quiser estar no salão
não se faça de doido não
não se faça de doido não
Eu já falei
que sua loucura é manha
mas não se esqueça que doido também apanha
Vão me levando
(Dosinho – Genival Macedo)
Eu não vou, vão me levando
vão me empurrando e desse jeito eu tenho que ir
se bato em um, se piso em outro
vocês vão me desculpando
eu não vou, vão me levando
Não posso nem fugir
não posso nem parar
com tanta gente me chamando pra dançar
estou cansado, estou bambeando
eu não vou, vão me levando…
Mas, quem disse que Dosinho só tem material “das antigas”? O homem segue compondo – é bem verdade que um tanto ressentido nos últimos tempos por quase nenhuma rádio em Natal tocar suas músicas (e quem não ficaria?). Uma destas muitas músicas “ignoradas” por Natal – mas por outro lado tocadas “até furar o CD” na região da Grande Recife, terra do frevo, foi o “Carnaval de Bin Laden”, de 2010-2011:
Carnaval de Bin Laden
(Dosinho)
Seu Bin Laden
o mundo inteiro quer te ver
e as mulatas daqui do meu Brasil
quem sambar o Carnaval com você
Vou te levar para um bloco de Kengas
pra onde eu for você me acompanha
você cantando o seu “Rafá-dá-guíla”
e eu cantando o “Doido também apanha”
(Eu já falei que sua loucura é manha
mas não se esqueça que doido também apanha)
Mas, retomando a história…
Auge e sumiço dos blocos
Entre as décadas de 1960 e 1970, os blocos em trenzinhos, puxados a trator eram uma febre. É dessa época, por exemplo, o Psyu, do Alecrim, de 1978 – classificado por alguns como “bloco de assalto”, pois o grupo escolhia a casa de um de seus integrantes para um “assalto” (termo da época; entenda-se, parada geral para um lanche antes de prosseguir para a folia). O Psyu existe até hoje, e pode ser considerado como “o último dos moicanos” em sua categoria – afinal, fora o Psyu, quantos blocos em Natal hoje (2012) usam trenzinhos puxados a trator?
De quebra, as matinês, bailes e os blocos de salão seguiam ocupando diversos clubes, como o América, a Assen e o Atlântico.
Entre meados da década de 1970 e o comecinho da década de 1980 surgiram blocos como o Eter-na-mente, na Redinha; e bandas, como a Bandagália em Petrópolis, que logo virou o bloco dos intelectuais e arrastou multidões.
Pena que em 1984 um acidente na subida da Rio Branco praticamente acabou com o carnaval da cidade. Foi a chamada Tragédia do Baldo. Um ônibus desgovernado passou por cima do bloco Puxa-Sacos, que fazia seu primeiro desfile na rua depois de três décadas nos salões. A ladeira ficou lavada de sangue, 19 pessoas morreram. O motorista do ônibus deu sua versão do ocorrido, e sumiu no mundo; julgado em 2009, ele foi condenado a 21 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado, e até hoje está foragido.
A Tragédia do Baldo foi um estopim para praticamente acabar com o Carnaval de rua em Natal – que, com os investimentos públicos cada vez mais escassos, já ia de mal a pior. Mas houve outro fator que ajudou a espantar os foliões: a falta de segurança, que rendeu a morte de um folião na Bandagália, algo inadmissível. Não deu outra: muitos passaram a considerar as praias mais seguras e logo elas tornaram os novos pontos de folia. Foi nesse período que Pirangi do Norte, entre outras praias, ganhou fama. É de Pirangi, por exemplo, a Banda do Cajueiro e o Bloco das Virgens, ambos de 1984.
Resistência e retomada
Enquanto isso, quase todos os blocos de Natal desapareceram. Dos antigos só ficou o Psyu, resistindo bravamente. Ainda podem ser contadas as Kengas, que surgiram em 1983 dentro da Bandagália e logo dominaram o Centro da cidade. Uma história de luta contra a discriminação: a grosso modo – e sem querer ofender – dá para imaginar o que era ser uma “Drag Queen” na Natal da década de 1980? Impensável! Mais ainda fazendo desfile em carreata? Duplamente impensável. Mas as Kengas fizeram isto, e com o tempo – junto com muito trabalho, além de doses de coragem, humor e ousadia – passaram a fazer não só desfile no Centro Histórico, mas também a fazer baile (o hoje bem conhecido Baile das Kengas) e, mais recentemente, até feijoada…
Arquivo Nominuto.com
Da década de 1990 até o presente surgiram outros blocos, ainda que timidamente. Nem todos vingam – duram algum tempo e desaparecem – , mas vários resistem, formando um Carnaval ao mesmo tempo simples e variado. É o caso do Baiacu na Vara, de 1990 e que sai na manhã da quarta de cinzas na Redinha; do Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens, em Ponta Negra, em 2004; e o Carnapetinga, no Conjunto Santarém, nas sextas de carnaval desde 2007. Isto apenas para ficar em três nomes. Há muito mais por aí. O que se pode dizer do Carnaval em Natal atualmente? Com a palavra, o fotojornalista Canindé Soares – “Natal tem carnaval sim, e dos bons… Poetas e Carecas, as Kengas, blocos excelentes da Redinha, Os Cão, Raparigas, Siri, Baiacu, etc.”, considerou, via twitter.
Aqui e ali também surgiram grupos dispostos a ressuscitar os carnavais antigos, como a Banda Independente da Ribeira e o Antigos Carnavais… e também os gritos de Carnaval, como o do Bar do Lourival, em Petrópolis, em 2008.
Também vem sendo feito um resgate das músicas do Carnaval de Natal por vários músicos, cantores e compositores locais. Pode-se dizer que a Banda Detroit abriu o caminho, em 1989, com um disco de músicas dos antigos blocos da capital; em 2000 foi a vez do Encontro Magnético, indo além, resgatando até Dosinho. Mais recentemente – desde 2008 – Luiz Gadelha, Simona Talma, Valéria Oliveira e companhia têm buscado mais um resgate, com o projeto “Sem perder o passo”. Aficionados têm feito coletâneas, e já acharam até Impacto Cinco, banda local de sucesso na década de 1970, rasgando marcha. O que complica é que (salvo talvez uma única exceção) as músicas do Carnaval local hoje não tocam nas rádios da capital…
Os Cão é da lama
Paralelo a tudo isto, o mela-mela resiste. O mais famoso bloco de mela-mela de Natal é Os Cão, da redinha, que sai toda terça de Carnaval, desde o ano de 1962. Bastam duas coisas para ser Cão: existir, e cair na lama. Mas não qualquer lama, muito menos de qualquer lugar: diz a lenda que o Cão que pretende fazer justiça ao nome deve usar apenas e exclusivamente a lama original do mangue da Redinha.
Certo é que quanto mais os repórteres rezam… mais Cão aparece. E em quantidade. O que começou como uma brincadeira entre os habitantes da Redinha hoje atrai gente de muitos outros lugares, até turistas, que se cobrem de lama e aguardam a saída do bloco, por volta das 10h, beirando o mangue até alcançar a região da antiga caixa-d’água (hoje “trevo” da ponte Forte-Redinha), daí seguindo pelo Anel Viário da Redinha até a praia. Os mais – digamos – corajosos por vezes arriscam uma segunda volta…
Nominuto

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