segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Construções irregulares estão na mira da União  Isaac Lira Repórter

A areia da praia ainda abriga os resíduos de concreto e ferro que anos antes significavam um abuso. O muro, derrubado por tratores sob as ordens da Superintendência Regional do Patrimônio da União do RN no fim de 2008, impedia a passagem de banhistas na praia de Camurupim, uma área constitucionalmente definida como pública e que precisa ter acesso irrestrito para todos. O exemplo aponta para uma questão difícil de ser equacionada: a ocupação do litoral brasileiro.

Joana LimaAs ações da Superintendência do Patrimônio da União tem objetivo de impedir ocupações irregulares e dessa forma preservar patrimônios como as falésiasAs ações da Superintendência do Patrimônio da União tem objetivo de impedir ocupações irregulares e dessa forma preservar patrimônios como as falésias
De acordo com dados estimados pela Superintendência do Patrimônio da União no Estado, existem hoje cerca de 435 processos ativos sobre ocupações irregulares nos terrenos costeiros pertencentes à União. Entre eles, 143 irão se transformar em futuras demolições. São casas, pousadas, empreendimentos, que passaram dos limites e invadiram terreno público. Os casos são mais frequentes na parte mais afastada do litoral, onde os três únicos fiscais da Superintendência não têm como fazer uma vigilância constante. A União tem três fiscais para darem conta dos 410 quilômetros de costa potiguar.  “Temos um grupo pequeno, mas bastante dedicado”, afirma a superintendente Yeda Cunha, que não esconde que existe sub-notificação. No caso de Camurupim, segundo relato de moradores das proximidades, um desentendimento entre vizinhos foi o que gerou a inspeção dos fiscais do Patrimônio. O dono do muro, um norueguês chamado Allan Fredy, resistiu à determinação e, após algumas visitas e uma reportagem da TN à época, oficiais de justiça puseram o aparato abaixo.

O disciplinamento da ocupação da costa brasileira tem seu marco na Constituição Federal, onde uma lei define exatamente o que é praia, falésia, continente, etc. Em 2004, o Governo Federal regulamentou essa lei e instituiu uma série de providências a serem tomadas nos Estados para concretizar o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro. Na prática, a ocupação funciona da seguinte maneira: existe um limite de 33 metros da linha da maré mais alta medida no ano de 1831. Até esse limite, a terra é de posse da União. Se o marco parece antigo, afinal são quase 200 anos, a explicação é simples. “O marco é a linha de preamar de 1831 porque data dessa época a consolidação da lei de terras do Brasil”, explica Yeda Cunha.

Ocupar um terreno dentro desse limite não é de todo proibido, desde que com a permissão da Secretaria do Patrimônio da União. Nesses casos, o dono do prédio paga uma taxa de ocupação, cujo preço é considerado alto inclusive entre os membros do Patrimônio da União. “Já existe uma proposta para reduzir a alíquota”, diz Yeda. Contudo, mesmo com a possibilidade de se “arrendar” os terrenos considerados públicos, há determinadas áreas que não podem ser ocupadas. São as áreas de preservação ambiental – mangues, falésias, etc – e as praias. Diz assim o texto da lei 7.661, de 1988: “As praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas”.

Era esse princípio que estava sendo infringido no caso da praia de Camurupim. O muro tinha mais de 10 metros invadindo a praia. Foi demolido pelo Patrimônio, junto com dois outros imóveis vizinhos, que também tiveram áreas retomadas. A poucos metros dali, é possível verificar até mesmo a olho nu que outros imóveis estão impedindo o tráfego e o acesso de banhistas. A Superintendência tem conhecimento do fato. Contudo, alega que nem sempre é fácil fazer cumprir a lei.

Moradores tentam um diálogo com a União

O cenário é claro até mesmo para um observador leigo. A maré está cheia e chega até o muro das casas, localizadas à beira-mar. É impossível passar por ali enquanto a água não “baixar”. E há quem garanta que é preciso muito tempo para que o caminho esteja livre. “Não são somente alguns minutos. Até mesmo quando a maré está baixa, fica difícil passar por ali sem se molhar”, diz o engenheiro civil Oscar Araújo, de 50 anos, que também tem casa em Camurupim. “Estamos negociando com o Patrimônio e iremos passar a pagar a taxa de ocupação”, diz.

Segundo informações da Superintendência Regional do Patrimônio da União, alguns dos imóveis daquela área têm processos na Justiça para tentar impedir o recuo da área construída. “Não é fácil. Alguns moradores resistem e entram na Justiça. O processo se arrasta e só podemos esperar”, conta Yeda Cunha.

Uma conversa com os donos dos imóveis basta para ter uma ideia do problema. O militar da reserva Alexandre Porpino diz que notícias sobre possíveis demolições na área são comuns. “Pelo que dizem minha casa escapou, mas essa da frente deve sofrer uma redução drástica”, afirma. Já no caso da autônoma Eva Barreto, de 42 anos, um diálogo com a Superintendência foi iniciado.

Mas nem só à beira-mar existem problemas de invasão de terrenos da União. As falésias de Tabatinga, por exemplo, também abrigam os seus conflitos. Um dos mais antigos diz respeito ao Restaurante Heleno’s, encravado no limite da falésia. Nesse caso, não se aplicam as mesmas regras das praias. Contudo, o local citado faz parte de uma área de preservação ambiental permanente, assim como são os mangues, por exemplo. “A única coisa que eu digo é que moro aqui há mais de 20 anos. O resto é com o meu advogado”,

Idema não dá informações sobre a gestão

Com o objetivo de ampliar as informações sobre a gestão da costa potiguar, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE entrou em contato com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema). Todavia, a Assessoria de Comunicação do Idema informou que o diretor do órgão, Marco Aurélio Almeida, não permitiu que os técnicos do Instituto falassem sobre o assunto e nenhum dos diretores se pronunciariam. O motivo alegado foi que “não havia sentido o Idema falar sobre um assunto como esse”.

A informação não procede. O Idema, como órgão estadual de meio ambiente, tem a sua parcela de responsabilidade quanto à gestão da ocupação do litoral. Aos  Estados compete criar uma comissão estadual de discussão e deliberação, manter um sistema de informação sobre a costa estadual e articular com os municípios a gestão local. Todas essas determinações estão contidas no texto do decreto 5.300,  de 2004,  que regulamenta a lei 7.661, de 1988.

Ao contrário do que se poderia pensar, os empreendimentos turísticos não são os maiores responsáveis pela invasão de praias e demais terrenos da União. “O perfil é bastante variado, não existe uma predominância. São empreendimentos, pessoas físicas, pescadores, etc”, diz Yeda Cunha.

Já com relação aos locais mais visados, as praias afastadas são campeãs. Nísia Floresta (leia-se Tabatinga, Camurupim, Barreta, etc) e Maxaranguape são alguns dos pontos citados.
 
Fonte: Tribuna do Norte

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